[Afonso Jr. Ferreira de Lima] O Livro

Uma mulher desesperada em vias de se tornar uma bruxa; um padre que buscou Santiago; um cabalista espanhol; uma sacerdotisa cretense - todos procuram o Livro.

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abr
Afonso Junior Lima
São Paulo, Brasil

Caros,
obrigado pelo interesse.
Está saindo uma versão em papel. Aguarde
abraços
Afonso Lima

Pessoal, "O Livro" saiu em papel
Espero que gostem.
Abraços
Ajr


Ana tem sonhos e visões, quer encontrar um Livro. Em outra época e lugar, Miguel também quer O Livro. E outros também o buscam, sonham com ele e com o poder que ele lhes dará... Esta é, sem dúvida, uma obra densa, que mistura coisas (aparentemente) não misturáveis, mas a alquimia funciona bem e eu recomendo a leitura desse livro delicioso e surpreendente.
Regina Drummond - Escritora

Afonso Lima tem um esplêndido domínio da forma literária!
Moacyr Scliar - Escritor

Afonso Jr. Ferreira de Lima nasceu em Porto Alegre (RS), em 1977. É formado em História, com Mestrado em Filosofia. Poeta, dramaturgo, contista, publicou Alguns Contos em 2006.

Lançamento: O Livro


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"Rio Grande do Sul, 1830

Ela levantou com uma sensação estranha. Havia sonhado com seu avô, espanhol, que correra os campos, das Missões ao Itaimbezinho, levando em sua carroça víveres, relíquias, roupas. Tentando recobrar os sentidos, caminhou até a janela, viu o campo coberto pela teia branca da geada, o sol perdendo-se pela cerração. As vinganças são melhores com lágrimas do que com fogo, lembrava o provérbio. Ana respirou fundo, vestiu-se e sentou na escrivaninha para estudar símbolos.

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Certamente eu não nasci para ser boa, pensava ela. Faria qualquer coisa por vingança, seria capaz de matar. Eu gostaria de ter matado esse homem rude, blasfemo e cruel que se diz meu marido, mas devo esperar, melhor esperar. Muitas vezes pensou que se houvesse um Deus, Ele não deixaria uma mulher ser tão só como ela, cercada de pessoas grosseiras. Seria possível que o mundo todo fosse apenas pó e sangue? Era como se a sua alma fosse a de um pássaro, e estivesse atada a uma árvore sem frutos, seca desde o início, uma árvore que se alimentasse de seu sangue. Nunca sentiu o amor em toda sua vida. “A mulher é o anjo do lar”, dizia seu pai. Um Quijote velho, de sua mãe, fora toda sua alegria, mil vidas.

Olhava com inveja os criados negros, livres porque haviam perdido quase tudo, mas não a alma, e, por isso mesmo, viviam a saudável animalidade humana, pareciam mais capazes de amar apesar da dor da prisão; podia ver pelas frestas das janelas, os beijos, as carícias, uma vez viu mesmo o ato, sentiu inveja. Suas mãos gelaram, ficou pálida, sentiu o calor percorrer todo seu corpo. Se, um dia apenas, aquele animal não estivesse tão bêbado que percebesse sua presença. Mas o dia chegaria. Chegaria.

Ele surgira assim. Era a sua primeira noite com aquele homem detestável. Ana fora trancada no sótão, e, desesperada, ainda com as roupas sujas e rasgadas, quebrara todo o lugar, fizera marcas fundas na porta com seus gritos e seu ódio, sangrara as mãos. Lá embaixo o barulho dos homens bêbados, das mulheres vis, do jogo. Então ele entrou, com um soco atirou-a na cama, abriu suas pernas, rasgou sua virgindade e bateu em seu rosto até ficar desacordada. Quando, lentamente, começou a voltar a si no meio da noite, só havia escuridão e seu choro como que deformava o mundo, pensou em alguma maneira de morrer. Foi quando primeiro ouviu sua voz imaterial. Algo como que tentava entrar em sua mente. Estava fraca, estava como morta, queria estar morta. Vou ajudá-la. Entregue-me tudo que tem, entregue-me seu ser, seu sangue, sua vida. Vou ajudá-la. Naquele momento, ela disse sim".

Lima, Afonso Jr. Ferreira de. O Livro, São Paulo: Scortecci, 2011.
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